As elites criam as disciplinas não para libertar a
humanidade, ao contrário, as fazem para gerar a opressão através de regras que
sufocam as dores e impedem o encontro do homem com seus próprios objetivos. Assim, constroem sobre as pessoas os
estigmas, os preconceitos e as piores práticas de açoite à dignidade
humana.
Estamos num tempo onde, transformar o outro no objeto de
expiação é uma fácil tarefa, principalmente, quando há interesses contrariados
e ameaçados por ideias que podem desestabilizar o controle dos que manipulam as
relações de quaisquer formas de poder. Então, entram as patrulhas ideológicas,
religiosas e toda tropa torpe que se embriaga como se a vida fosse um grande
banquete onde, o prato principal, torna-se aquele que se posiciona em relação
ao que pensa e pensar é o diferencial nesse mundo amplamente padronizado.
Transformam a miséria humana que se arrasta nas ruas em busca de mais uma dose,
ou, mais um “pega” no cachimbo de crack, no responsável pelo fracasso da
segurança pública, entretanto, se esquecem que são vítimas de um Estado desinteressado
em práticas preventivas, bem como, no avanço de políticas públicas de redução
de danos, afinal, se assim o fizerem e os resultados trouxerem êxito, a quem
irão responsabilizar?
Verbalizam, então, o discurso da sobriedade punitiva, sempre
prometendo um mundo mais confortável e mais humano, tão humano que necessitam
de grades e muros para esconder o caos social que geram, adotando práticas
higienistas, pois, assim, fica muito mais fácil mentir, enganar e fingir que nada
existe, ou, se existe, tudo está sob controle, principalmente, sob a égide da
punição.
Há um milhão de dependentes em crack no Brasil, então, diante
dos que desejam nos enganar com essa fala da internação compulsória, resta-nos
fazer algumas perguntas básicas: Onde
irão colocar um milhão de pessoas? Há
estrutura humanizada nesse tipo de internação? Quais vieses serão
adotados? Após a alta, há estruturas de
suporte para que possam acompanhar e minimizar as recaídas? Há prescrição de
medicações e os mesmos serão distribuídos gratuitamente pelo Estado? Então,
senhores governantes, deixem de lado a mentira e tratemos com seriedade um
assunto que requer que sejamos no mínimo dignos.
Criam programas de enfrentamento, mas, enfrentar quando já
está vencido pode ser a melhor forma de ampliar a desgraça já vivida.
Penso que se faz necessário criar uma rede de atendimento
permanente de apoio ao dependente químico e a sua família, 24 horas,
estabelecendo a partir de um processo de adesão ao programa, um plano de
tratamento composto de uma equipe multidisciplinar e cuidados básicos,
amparados e interligados a assessorias jurídicas, creches, programas de
orientação e diagnósticos em DST, apoio familiar, orientação e qualificação
vocacional, moradia e transporte, abordagens educacionais.
Tratar é cuidar por completo, não apenas focar a dependência
química, mas, trabalhar em suas consequências e danos a vida dos dependentes e
sua família é estabelecer o suporte necessário, ampliando e adequando o
programa para cada caso.
Quando enfatizamos a necessidade de uma rede de apoio 24
horas, garantimos ao dependente a oportunidade em recomeçar sua história de
vida sem as preocupações que muitas vezes levam milhares de pessoas à recaídas.
Os índices são elevadíssimos, indicando que em relação aos tratamentos
tradicionais, falta algo. Portanto, se
realmente desejam concretizar um tratamento sério, comecem por reformulá-los,
dando ao tema a relevância merecida, afinal, senhores gestores, vossas
excelências estão lidando com vidas, e por sinal, extremamente preciosas.
Marcus Fleury é psicólogo e coordenador do Ateliê de Inteligência.
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