quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Sistema prisional de Goiás apresenta fragilidade e falta de segurança, afirma advogado criminalista

Alex Neder, Advogado Criminalista
Para o advogado criminalista e conselheiro da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Alex Neder, o sistema penitenciário de Goiás apresenta fragilidade e falta de segurança. Em entrevista ao Portal Rota Jurídica o especialista, que também é consultor jurídico, aponta as falhas do sistema e quais seriam as soluções para promover realmente a ressocialização de presos. Ele observa que atualmente, não só no Estado, os presídios atuam como instrumento de contenção do homem, porém deveriam atuar como instrumento de transformação do reeducando. Neder é pós-graduado em Direito Penal, Processual Penal, Direito Público com ênfase em Penal, Processo Penal e Ciências Penais.Confira a entrevista:
Rota Jurídica - Como o senhor analisa o sistema prisional do Estado? Quais os principais problemas que temos hoje, por exemplo?
Lamentavelmente, o sistema penitenciário em Goiás está longe do que esperamos de um sistema prisional correcional modernizado. Explico os motivos de minha opinião e preocupação. Em setembro de 2011, foi realizado em Goiás um mutirão carcerário pelo Conselho Nacional de Justiça. Na época, foi constatado “que os estabelecimentos penais de Goiás são inadequados e possuem segurança frágil, extremamente frágil”. Foi essa a definição do relatório preliminar assinado pelo coordenador do mutirão, juiz Alberto Fraga, do departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário. 


E mais: à época, restou evidenciado, ainda, que “a precariedade das instalações refletia a ausência do Estado na manutenção do sistema prisional”, e que, “com efeito, a análise do sistema carcerário goiano revela o mau preparo do Estado para a custódia de detentos”. Os piores problemas detectados pela equipe do CNJ foram falta de rigor e disciplina  no cumprimento das penas, precária assistência de saúde aos detentos, alimentação insuficiente e/ou de má qualidade, falta de segurança dos estabelecimentos e superlotação generalizada. E  concluiu ainda que a penitenciária Odenir Guimarães, maior do Estado, reúne  e potencializa, em um só lugar, todos os defeitos no sistema prisional de Goiás.

Outro dado importante e grave da referida inspeção foi a constatação de que,  à época, a direção da unidade prisional “aconselhou os juízes que fariam a inspeção”, Alberto Fraga e Éder Jorge, a não visitarem todas as alas do presídio, pois a POG revelava um ambiente dominado pelos presos. Fato preocupante. Mesmo assim, a inspeção foi realizada. Os referidos juízes, ao adentrarem à POG estavam protegidos por coletes à prova de balas e com uma escolta de 55 homens armados do batalhão de choque e agentes do Grupo de Operações Penitenciárias e da Coordenadoria de Operações Especiais.

RJ – Mas a inspeção surtiu efeito?

Ora, após essa inspeção do CNJ e detectadas essas graves irregularidades e já transcorridos praticamente dois anos, em junho deste ano estourou um dos maiores e mais graves fatos envolvendo o sistema prisional de Goiás. Trata-se da Operação Elo do Crime, deflagrada pela Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos, quando foi confirmado que tudo aquilo que a inspeção do CNJ constatou, infelizmente, evoluiu para pior. 

Uma das maiores quadrilhas de roubo de carros e tráfico de drogas já identificada no Estado, com ramificações internacionais, comandava o crime organizado de dentro da penitenciária Odenir Guimarães. Das 14 pessoas que foram presas, sete tiveram seus mandados de prisão cumpridos dentro do próprio complexo prisional de Aparecida de Goiânia. Esse fato vem a demonstrar que as constatações do CNJ evoluíram para pior no que diz respeito à fragilidade e a falta de segurança do sistema. O que é gravíssimo e lamentável.

RJ - E o que o senhor pensa que poderia ser feito para corrigir essas distorções? 

Penso que o Estado deveria ter dado  atenção ao relatório feito pelo CNJ nos meses de agosto e setembro de 2011, e corrigido de imediato as falhas e irregularidades constatadas. Isso talvez tivesse evitado que essa quadrilha utilizasse a POG como quartel general do crime organizado, colocando em risco toda a sociedade goiana.

Se a sociedade não está em segurança com o sistema prisional, onde presos dominam o presídio, e  lá de dentro, cometem crimes, fazendo vítimas inocentes, imaginem o que acontece com aqueles presos que não querem se envolver nisso. Devem sofrer toda sorte de ameaças e violências desses criminosos que dominam o sistema.

Uma das formas mais importantes de contribuir com a neutralização da quadrilha é cortar a comunicação dos presos com o mundo exterior, e isso seria erradicar, de uma vez por todas, os celulares de dentro do presídio. O Estado fala em investir em tecnologia para neutralizar esse descalabro, que é o preso usar celular, mas fica só na conversa, não age. Já passou da hora de dar um basta nisso. Investe-se em tantas coisas secundárias e desnecessárias e deixam o principal de lado. E, no mais, corrigir todas as irregularidades apontadas desde  2011 pelo CNJ.

RJ - O senhor acredita que da maneira que o sistema é empregado atualmente há ressocialização, o que deveria ser o caminho para a mudança de conduta dos infratores?

Não, da forma como o sistema prisional está não acredito em ressocialização. Veja bem, como o sistema não cumpre sua função institucional de ressocialização, o detento vive em condições precárias de higiene, com celas superlotadas, não há uma política séria,  eficaz, de fazer com que essas pessoas possam transformar suas vidas, através do estudo - alfabetização e cursos profissionalizantes, trabalho para todos e, principalmente, humanizar essas instituições. Hoje os presídios, em regra geral, atuam como instrumento de contenção do homem, porém deveriam atuar como instrumento de transformação do reeducando.  Infelizmente, o sistema, ainda, possibilita que facções criminosas dominem esses ambientes, o que antes somente víamos acontecer no Rio de janeiro e São Paulo. Hoje está acontecendo em Goiás. 
Mesmo aqueles presos que queiram cumprir as regras, muitas vezes são forçados por esses grupos a fazerem o que não querem e/ou o que a lei não permite, sem o completo domínio do Estado prevalecerá sempre a lei do mais forte, um ambiente como esse, além de não ressocializar, embrutece as pessoas.

RJ – Em sua opinião, o que deveria ser feito para a melhoria no sistema prisional? Somente a abertura de novas vagas (já que o déficit é grande) resolveria?

Para corrigir tudo isso é necessário, não apenas construir presídios para acabar com os problemas da superlotação, mas modificar a forma de cumprimento de pena, separar os primários, dos reincidentes; separar os criminosos definitivos, dos provisórios; como manda a lei de execuções penais. O preso precisa trabalhar, mas também precisa alfabetizar-se e estudar. A educação, mesmo dentro dos presídios, transforma as pessoas.

O que hoje está acontecendo em Rio Verde (no interior do Estado), onde o Ministério  Público pediu a interdição da casa de prisão provisória, até que sejam realizadas reformas para garantir  condições “de higiene, saúde e segurança a detentos e funcionários”, é o retrato das cadeias públicas do Estado e do Brasil. O sistema está falido!
O Estado tem o dever legal e institucional de garantir ao preso o elementar: higiene, saúde, espaço físico e segurança, proteção a sua incolumidade física e psíquica, o que não tem acontecido. Num ambiente assim, ninguém melhora. Ao revés, a tendência é piorar, e quando retornam ao seio social a tendência é que reincidam. A sociedade acaba por ser penalizada duplamente pela inoperância e negligência estatal. 

RJ – O senhor acredita que o trabalho para diminuir o número de presos e melhorar o sistema prisional teria de ser feito já na ponta do problema? Ou seja, melhorar as condições de vida da população?

Sim, sem dúvida, investir mais na saúde, educação e segurança pública deve ser prioridade do Estado, uma melhor distribuição de renda também. O trabalho é fundamental na ressocialização, mas não é tudo. E mais, essa questão é muito mais complexa e delicada do que parece. Para diminuir o numero de presos e sobrar espaço, a ideia é de que é preciso “acelerar” as progressões, e não é bem assim. Esta é uma situação de risco, sabemos hoje que os presos do regime semi-aberto reincidem em números elevados. E por quê? Funciona como um círculo vicioso. Se o sistema não possui uma política criminal eficaz e não conta com estrutura para cumprir o que manda a própria lei de execuções penais, é claro que o preso não melhora, não ressocializa, e assim sendo, o surgimento de vagas, somente parece resolver o problema físico de espaço. Mas isso não o principal, que é o da ressocialização do reeducando, e garantir segurança a sociedade quando o preso retorna ao seio social. 

RJ – A Lei de Execução Penal (LEP) está sendo reformulada. O que é importante hoje na lei e o que deveria constar após essa mudança?

Penso que a atual lei de execuções penais tem pontos muito positivos, que a precária estrutura Estatal não conseguiu fazer com que ela fosse cumprida na sua plenitude. Reformular a lei pouco vai resolver se o Estado não criar uma estrutura capaz de fazer cumprir a lei. Não adianta criar direitos sem condições de fazer com que sejam cumpridos. Uma sugestão para a nova lei seria melhorar os critérios para as concessões das mudanças de regime. Com a gama de problemas e a falta de estrutura, acaba-se aplicando mais os critérios objetivos, tempo, bom comportamento etc; é preciso investigar mais e valorizar mais os critérios subjetivos, para se colocar uma pessoa em liberdade ou semi-liberdade. Acredito que o exame criminológico seriamente  realizado seja uma ferramenta importante, dentre outras.

RJ – Hoje todas as mulheres que estão presas no Complexo de Aparecida de Goiânia trabalham. Ocupar o tempo seria um dos caminhos tanto para as mulheres como para os homens presos?

Sim, sem dúvida que o trabalho é um elemento importante e fundamental para que o preso encontre ocupação e produza. Mas, como disse antes, o trabalho é apenas um dos elementos para o conjunto na busca da ressocialização. Os presos precisam de um ambiente melhor, tanto quanto de ocupação, precisam de um ambiente onde se propicie, a eles, uma verdadeira possibilidade de transformação, e o Estado não está possibilitando isso.

RJ – O senhor é a favor do pagamento de auxílio–reclusão às famílias de presos? 

Não. Interessante como os legisladores se preocupam muito com os “direitos” do preso, que já é um ônus para o Estado e, consequentemente, para a sociedade. E porque não se preocupam com as vítimas e seus familiares? Se o indivíduo mata um pai de família, o provedor, que deixa esposa e filhos, quem vai amparar essa família? Entendo que se um indivíduo cometeu um crime, foi condenado com sentença penal transitada em julgado, a obrigação primordial é dele e do Estado em relação à família da vítima. Daí que defendo a obrigatoriedade do trabalho para o preso, para que ele possa, de alguma forma, contribuir com o amparo da família da vítima, e também a sua, no que for possível.

RJ – A utilização de tornozeleiras eletrônicas para o monitoramento de presos no Estado é viável? Isso resultaria, em sua opinião, em abertura de novas vagas no sistema?

Para a implantação do uso de tornozeleiras em presos, seria preciso, antes criar uma estrutura para o monitoramento dessa pessoa, seria o ideal, não apenas para abertura de novas vagas nos presídios que, como já disse, é preciso maior critério na concessão das progressões de regimes. Mas, para determinados crimes e criminosos o uso da tornozeleira facilitaria em muito o avanço de uma política criminal mais moderna. Mas como estamos com uma estrutura penitenciária sucateada, o que também se estende em relação as polícias civil e polícia técnica, acho pouco provável que se crie um novo instrumento como esse, com espaço físico, humano e tecnológico para seu bom e eficaz funcionamento. Mas, sem dúvida que seria um bom instrumento para auxiliar o sistema penitenciário do País.

RJ - A forma como são hoje os presídios, basta estrutura para que alcancem seu objetivo, ou precisaria de algo mais?

Acredito que além da correção de todas as falhas e irregularidades detectadas hoje nos presídios brasileiros, que somente vão ser resolvidas a longo prazo e, com muito trabalho e vontade política, precisaríamos de algo mais. A vivência nessa área me convenceu que o Estado precisa criar presídios  regionais, que funcionariam como colônias agrícolas. Retirar um homem do interior e mandá-lo para um presídio como a POG é mais prejudicial a sua ressocialização do que se ele permanecesse em sua região, cumprindo pena dentro de parâmetros que estão mais próximos de sua formação cultural, além de facilitar o convívio familiar, que é um ingrediente importante no trabalho de ressocialização. De outra parte, resolveríamos os graves problemas que ocorrem hoje nas cadeias públicas das cidades do interior do Estado, que são transformadas em presídios sem a mínima estrutura para isso.

O que está acontecendo hoje em Rio Verde, já aconteceu e continuará acontecendo em várias cidades do interior do Estado. Essa triste realidade precisa ser modificada urgentemente e, penso que, com a criação dos presídios regionais devidamente estruturados, poderíamos avançar em muito para essa solução.

RJ – Então, no geral, não temos uma segurança pública eficiente?

Como dizia o saudoso Pontes de Miranda, “entra o Direito quando falha a moral”. O crime é a falta de ética, de moral e respeito ao semelhante, via de regra. Colbert dizia que: “A grandeza de um país não depende da expressão de seu território, mas no caráter do seu povo”. Acredito que o sistema penitenciário é uma extensão final da Segurança Pública que é dever indeclinável do Estado. Quando falamos em corrigir as distorções do sistema penitenciário, forçosamente devemos reconhecer que não temos uma segurança pública eficiente e condizente com nossas necessidades, e que o Estado não cumpre com sua função institucional, seja na segurança do cidadão, seja na ressocialização desse mesmo cidadão quando transgride a norma penal.

Mas, antes de tudo isso, o Estado falha mais uma vez de forma imperdoável, quando não proporciona ao povo saúde e educação, posto que, a história de outros países mais desenvolvidos têm demonstrado que o nível de educação de seu povo- ( base da formação do caráter desse mesmo povo) reflete nos índices de criminalidade. Então a triste realidade que constatamos é que o Estado Brasileiro falha em tudo, desde a base que é saúde e educação, e nos instrumentos de Segurança Pública que são quase inexistente, e depois no fim de tudo isso, a sua incapacidade de criar mecanismos e estruturas adequadas para recuperar o cidadão que transgrediu a norma penal, fazendo com que a população seja duplamente penalizada e viva constantemente exposta a violência.



Alex Neder é advogado criminalista,  conselheiro da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO e membro do Conselho de Transparência e Combate à Corrupção do Estado de Goiás.

Este artigo foi publicado originalmente no site www.rotajuridica.com.br e pode ser conferido aqui http://migre.me/g3JvQ

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