quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A Indústria do Medo e o Estado de Exceção em Goiás

Venho acompanhando com atenção as recentes matérias na mídia local e nacional sobre a política de intimidação judicial perpetrada pelo governador Marconi Perillo contra opositores. Nas últimas semanas, diversos artigos publicados pelo Diário da Manhã trataram sobre este tema. Assinada pelo jornalista Leandro Fortes e intitulada “O DITADOR MARCONI PERILLO”, neste mês de agosto, a revista Carta Capital também publicou uma matéria examinando esta questão. O semanário denuncia que, em apenas 3 anos, o governador já abriu pelo menos 50 processos contra adversários. Inclusive, eu (um desconhecido mortal) estou sendo vítima da “sanha judicial” do governador (parafraseando FORTES) por ter compartilhado denúncias em minha página pessoal do Facebook. Fiquei bastante surpreso ao ver o meu nome no hall dos perseguidos políticos do tucano, ao lado de jornalistas ilustres, de políticos nacionalmente reconhecidos e até mesmo da mais famosa enciclopédia virtual do planeta, a Wikipedia, interpelada judicialmente por Perillo – o governador teria ficado insatisfeito com as informações comprometedoras em sua biografia.
            Não discordo daquilo que parece ser consenso entre todos os artigos que li sobre o assunto, isto é, que o governador estaria instrumentalizando a Justiça goiana para escamotear as repercussões do Escândalo Cachoeira. Entretanto, uma hipótese ainda não considerada nestas matérias merece um exame mais atento: a estratégia de judicializar a opinião pública estaria atrelada à criminalização de movimentos de resistência popular, caracterizando uma política de estado de exceção.

No início de abril de 2012, logo após a revista CartaCapital divulgar em seu site a reportagem de capa  “O CRIME DOMINA GOIÁS”, sobre a relação do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o governador Marconi Perillo, todo o lote que fora distribuído em Goiânia desapareceu misteriosamente das bancas de revistas. No entanto, já se foram os dias em que antigos coronéis conseguiam evitar a distribuição de periódicos que os denunciavam em seus currais eleitorais. Revoltados com o sequestro da revista, estudantes de Goiânia baixaram a comprometedora reportagem do site da revista, e distribuíram gratuitamente centenas de cópias nas ruas da cidade. A reação popular foi imediata nas redes sociais da Internet e, dias depois, cerca de 5 mil indignados tomaram as ruas para exigir o impeachment do governador. Em menos de um mês, outros três protestos contra Perillo reuniram mais de 10 mil pessoas no centro da capital. Assim, o movimento popular Fora Marconi surgiu a partir deste embate entre o ‘neocoronelismo’ (tomo este termo emprestado do estimado professor de Filosofia da UFG, Cristiano Novaes de Rezende) e o cyberativismo, propiciado pela revolução tecnológica dos meios de comunicação de massa.

Com os ânimos acirrados por todo o Estado, a paciência do governo parecia se esgotar. No primeiro dia de junho de 2012, na ocasião em que o governador inaugurava a sede da Universidade Estadual de Goiás (UEG), em Itumbiara, estudantes que decidiram protestar, gritando palavras de ordem contra Perillo, foram violentamente espancados, supostamente por seguranças e policiais militares. Após os exames realizados no hospital local, os estudantes registraram a ocorrência na 2ª Delegacia de Polícia da cidade.

Em junho deste ano, durante um evento para a entrega de escrituras de lotes a famílias do bairro Morada Nova, em Anápolis, estudantes e professores da UEG em greve aproveitaram a presença do governador para exigir melhorias salariais e na estrutura da universidade. Orientados a reprimir o protesto, policiais militares arrancaram cartazes das mãos dos manifestantes, e prenderam um estudante que foi levado algemado para a 7ª DP de Anápolis. A acusação (pasmem!) foi de ele ter xingado o governador, o que foi prontamente desmentido por testemunhas.

Em seguida, foi a vez da tradicional Cidade de Goiás ser transformada num verdadeiro palco de horrores pela tropa que fazia a segurança do governador. Na ocasião, Perillo discursava na solenidade de abertura oficial do FICA – Festival Internacional de Cinema Ambiental (FICA), realizada no Palácio Conde dos Arcos. Conforme diversos relatos de moradores da cidade que testemunharam o ocorrido, policiais militares agiram com extrema truculência e força desproporcional contra dezenas de manifestantes que protestavam pacificamente contra o governador nas imediações do Palácio. Vários ficaram feridos e pelo menos oito pessoas, entre professores e estudantes, foram algemadas e conduzidas para a delegacia em porta-malas de viaturas da PM. Advogados que tentavam prestar apoio jurídico aos detidos relataram que as autoridades policiais violaram as suas prerrogativas na delegacia de polícia. Diante da gravidade dos fatos, a Comissão de Segurança Pública e Política Criminal, da OAB-GO, foi acionada e passou a acompanhar a denúncia. De acordo com o presidente desta comissão, Dr. Rodrigo Lustosa Victor, “o caso em questão será levado a "julgamento" na próxima reunião ordinária da CSP, marcada para o dia 16 de setembro próximo. Entretanto, em antecipação às possíveis medidas, determinei a expedição de ofícios aos órgãos correcionais, para a apuração das respectivas responsabilidades.”
Poucos dias depois, mais uma vez em Anápolis, no momento que Perillo fazia um discurso sobre o Projeto Governo Itinerante, manifestantes que ousaram levantar cartazes e gritar palavras de ordem contra o governador foram novamente reprimidos de forma violenta. Desta vez, um estudante universitário teve a clavícula quebrada após ser perseguido por agentes à paisana. Socorrido por oficiais do corpo de bombeiros, o jovem foi carregado numa maca e levado ao hospital de urgências.
É importante salientar que seria impossível listar aqui neste pequeno texto os inúmeros casos de truculência do Estado de Goiás contra manifestantes que se opõem aos desmandos desta administração. Mas com o intuito de investigar a hipótese de que teriam sido implantadas em Goiás a indústria do medo e uma política de estado de exceção, selecionamos as ocorrências acima, porque nela identificamos importantes elementos em comum, quais sejam: a presença do governador Marconi Perillo; o excesso de força e o abuso de autoridade para reprimir protestos pacíficos; e as detenções, humilhações e agressões físicas contra jovens, violentados em seu direito constitucional de livre manifestação.
Mas quais seriam os reais motivos para o Estado tratar estudantes como se fossem marginais? Geralmente em socorro ao chefe, o exército marconista de comissionados responde esta questão entoando o mantra ad hominem: “estes estudantes são moleques arruaceiros, pagos por partidos da oposição para humilhar o governador...” e assim por diante. Será?
Em suma, por um lado, ao confundir dano político com dano moral, ou ainda o público com o privado, o governador parece se valer de provável subserviência de membros do judiciário goiano para ameaçar opositores. Por outro lado, o aparelho repressor do Estado vem sendo sistematicamente utilizado para massacrar os estudantes organizados em movimentos de resistência popular. Esta situação é muito alarmante, na medida em que o estado de exceção (cuja existência pode ser constatada quando o povo passa a temer seus governantes) degenera as instituições democráticas e atropela os princípios de igualdade e liberdade, que dão sustentação ao Estado Democrático de Direito.
Conscientes de que o medo é a arma mais eficaz dos governos totalitários contra a liberdade do povo, nos manteremos unidos e fortes. Logo, Marconi Perillo engana-se, caso subestime a resiliência dos goianos.  

No próximo sábado, dia 7 de setembro, às 8:00 h, estudantes secundaristas e universitários, professores, funcionários públicos, representantes de movimentos sociais e a população em geral se concentrará no coreto da Praça Cívica para a realização de um “desfile cívico”. Todos os políticos profissionais de Goiás devem ficar atentos à resposta popular que virá das ruas. 

Caius Brandão


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